Tudo o que o rio já viu...
- Projeto UniVersus
- 28 de dez. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 10 de jan. de 2024

Às 05:00h da manhã entramos num pequeno barco, onde a escuridão confunde o céu e o rio num só. Ao longo das margens do Mekong, acendem-se timidamente algumas luzes em casas que parecem ser feitas de improviso - algumas têm paredes de placas, outras de cimento, e outras ainda apenas grades que nos convidam a entrar na vida daqueles que moram em comunhão com o rio. Olhamos para dentro de uma casa, um homem está sentado de cócoras a olhar para uma televisão colocada no chão. Parece confortável naquela posição. No interior de várias outras casas, vemos camas de rede penduradas aleatoriamente, prontas para ser montadas onde o sol permitir o descanso. Ventoinhas também não faltam, a acompanhar um conjunto de objetos que para nós parecem não ter ligação entre si. As casas sustentam-se em estacas de madeira ou blocos de cimento, pintados com uma marca esverdeada que antecipam a subida da água na época das chuvas.

Aproximamo-nos de um mercado onde os locais trocam bens em grande quantidade, para posteriormente revender noutros mercados. São barcos pequenos, rasos, que impressionam pela carga que transportam. Os raios de sol, que começam a surgir, testemunham as trocas feitas sobre o rio. É fascinante a agilidade com que os vendedores se movem nos barcos - usam o pé para guiar, deslocam-se pelas suas bordas, esticam-se e empoleiram-se para, por fim, cruzarem um saco carregado de fruta por mais uns dongues vietnamitas. Há um burburinho constante, que é interrompido apenas por aqueles que, mais perto de nós, trocam bens e palavras. “Antes, não existia dinheiro, era tudo feito à base de trocas, é por isso que as pessoas do Sul do Vietname são tão abertas e comunicativas”, explica-nos Tu Voung.

Já com luz do dia, continuamos a descer ao longo do rio, observando como as pessoas fazem do rio a sua rua e local de trabalho. Deslocam-se, lavam a roupa, pescam, preparam alimentos, e carregam mercadorias em ambos os sentidos…

Pouco depois, a azáfama faz-se sentir ao aproximarmo-nos de outro mercado, este de grande dimensão. “Muitas pessoas vivem aqui, estes barcos são as suas casas. Quando têm filhos, eles não podem ir à escola, por não terem cartão de residência. Atualmente, já várias crianças ficam com os avós, ou as famílias têm mesmo uma casa em terra”. Grandes mastros apresentam os produtos que cada barco tem para oferecer e quando a folha de coco é içada sabemos que é o próprio barco que está à venda. Olhamos para os barcos e eles olham-nos de volta. Na proa dos barcos, envolto num vermelho vivo destaca-se um par de olhos colocados como guias para ajudar o barco a encontrar o caminho certo. Um barco mais pequeno aproxima-se, é um restaurante flutuante, com o menu desenhado na madeira do casco. Uma breve troca de palavras, e uma generosa tigela com um caldo de noodles entrelaçados com porco, tofu e caranguejo é colocada sobre uma tábua, entretanto posicionada para servir de mesa no barco. Acompanhado de café ou chá, foi este o sabor do nosso pequeno-almoço, cozinhado num barco e embalado pelo Mekong.
Olhamos para as turvas águas do rio Mekong, não apenas como uma fonte de sustento ou um mercado vibrante, mas também como uma rua movimentada, e até mesmo um lar. Um rio que mais que um cenário, é um protagonista na vida destas pessoas. Voltámos por fim a casa mais lentos, agora contra-corrente, e mais pesados com tudo o que vimos ao seguir o caminho de um rio que ao passar acolhe todos os que o queiram.
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